A pluralidade cultural é ingrata de gerir na Europa. Nos Estados Unidos, foi e é mais fácil porque todo o país se compôs de imigrantes diversos, que mesmo quando mantiveram algum apego à sua nacionalidade de origem, aceitaram boa mente submeter-se a uma ordem constitucional virada para o futuro. O teórico desta doutrina política foi mesmo John Rawls que mostrou como se adopta uma constituição aceite por todos: através do véu da ignorância ! É um estratagema interessante. Os diversos líderes religiosos ou políticos reúnem-se numa espécie de conversação de internet, cada um ignorando as concepções religiosas ou filosóficas dos outros. Debatem, sob esse véu de ignorância recíproca as leis porque há de reger-se a sociedade, cada um argumentando o que defenda e prefira, segundo as razões que aduza. Há porém, uma regra: não são aceites razões argumentadas empurra dedução de concepções metafísicas ou religiosas. Esta interdição força os constitucionalistas a diminuírem o nível teórico dos seus argumentos para uma instância de princípios mais práticos ou pragmáticos com os quais será mais fácil alcançar com os outros um acordo. A estratégia de cada um passa, assim, a selecionar quais as opções práticas que menos objecções levantam aos seus princípios morais e de valores. O entendimento é alcançado num patamar que concilia a pluralidade de princípios de vida que cada comunidade cultural defende. Esta é a teoria de Rawls. Porém, penso duas caminhos possíveis fluem de uma tal constituição: ou a sociedade acaba por homogeneizar as diferentes comunidades com o passar do tempo; ou as distinções mantêm-se e a segregação pode acentuar-se, particularmente se os grupos forem confinados em bairros e guetos, em explícita segregação cultural. Marselha, é então este segundo caso.