Muito se tem escrito, em tão pouco tempo deste tópico, sinal que é um tema quente. A nível académico e internacional, usando um termo de direito, "a doutrina divide-se", pelo que, espanta-me, ver por aqui tantas certezas.
Se me permitem, queria deitar mais uma acha para a fogueira.
Crêem que existe algum nexo de causa/efeito, o facto de, na transição de economias para o capitalismo, os países que questionaram a forma FMI/Washington (por exemplo a China e a Índia) e optaram por inserir-se na globalização, de forma independente, mais gradual, sem aderir ao Consenso de Washington, vieram a obtiver melhores resultados, económicos e sociais. Ao invés, aqueles que não questionaram a forma FMI/Washington, e, aderiram de forma incondicional e consensual, acabaram como a Argentina ou o Brasil, com graves crises financeiras. A própria Rússia, que seguiu à risca o tratamento de choque apregoado pelo FMI, enfrentou sérias dificuldades económicas e sociais. Já a Polónia, que optou por uma abordagem mais gradual e de transição, saiu-se bem melhor.
Há aqui alguma causa/efeito, ou é obra do acaso?
Bom fim de semana.
Há uma causa/efeito mas não é a que pensas.
O Brasil e a Argentina não acabaram com graves crises financeiras devido ao FMI. Foram sim as suas graves crises financeiras que levaram à entrada do FMI. As dificuldades económicas e sociais eram garantidas antes de o FMI entrar, e o FMI só entra para que esses países se mantenham funcionais até serem reequilibrados. A alternativa seria um reequilibrio de choque, substancialmente pior em termos económicos e sociais (mas, diga-se, também mais rápido na resolução dos problemas).
A ìndia não é exemplo para ninguém.
E a China ainda nunca precisou do FMI. O FMI quando é necessário é porque já está tudo torto, não é nenhuma opção "na ausência de problemas".
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E a Rússia não seguiu à risca o plano do FMI, aliás, aparentemente até $5 biliões do plano do FMI foram roubados e as reformas propostas não foram implementadas ...
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É no entanto necessário entender que antes da entrada do FMI seja onde for, já existe um desequilíbrio que VAI provocar no curto prazo uma crise económica grave (que geralmente já estará parcialmente em curso quando o FMI entra). Portanto as pessoas associam a entrada do FMI a essa crise, da mesma forma que associam o Passos Coelho às medidas de austeridade em Portugal.
Isso é um erro. O que dita essa implosão económica é o que PRECEDE a intervenção do FMI (ou o Passos Coelho). A intervenção em si apenas tenta financiar a transição enquanto se aplicam reformas que retomam a sustentabilidade. Só que isso ocorre no meio da crise que as pessoas associam ao FMI. A realidade é que sem essa transição, e portanto com MENOS financiamento, essa crise teria necessariamente que ser mais profunda. Inevitável, se-lo-o sempre.
Isto não é difícil de compreender. Se esse financiamento do FMI fosse evitável, os países evita-lo-iam e fariam esse outro caminho alternativo "melhor". Não o fazem, não obstante toda a gente colocar as culpas no FMI, quando o FMI é uma coisa opcional que ninguém é obrigado a aceitar. Portanto MESMO que se achasse que o FMI era o problema (um erro), o verdadeiro culpado seria quem optasse pelo FMI em vez de pela tal "alternativa melhor".
Ou seja, tudo isto não faz sentido nenhum. Manter esse género de opinião é como aquela cena do BE a berrar contra as agências de rating por baixarem o rating num momento, e a dizer que a dívida é insustentável no momento seguinte.
Incognitus, talvez me tenha explicado mal. Penso que dá para perceber nos meus posts que sou pró globalização, o que não me impede de perceber que, de muitos dos benefícios que trouxe de melhoria tais como o desenvolvimento económico de vários países através do comércio internacional e aumento das exportações, acesso a um conhecimento que estava além do alcance de muitas pessoas, etc. etc. estávamos aqui a manhã toda a descrever vantagens, também se percebe que, a nível económico, há algo a melhorar, pois, a miséria em África mantém-se, a estabilidade económica continua um problema com as sucessivas crises. A este nível (económico) há algo a melhorar, quer-me parecer.
Vamos lá ver, óbvio que, estas economia, antes do FMI entrar eram desequilibradas, e é aqui, que, mesmo tu não querendo, me das a razão. Todas as que enunciei, à data eram desequilibradas, umas, como dizes, escolheram aceitar o dinheiro FMI e a correspondente receita (Argentina, Brasil, Rússia, mas há mais). Outras, como a China, a Índia, a Polónia, que, precisando do FMI, escolheram outro caminho, o da integração no capitalismo mais lenta, faseada, em velocidade que consideraram adequadas, face às características das suas economias, e estas, é inegável, tiveram muito mais sucesso económico e social. Só me das razão quando dizes que podiam ter escolhido outro caminho que não o FMI. E não é que algumas escolheram mesmo, e não é que os resultados destas são melhores.
O que me espanta a mim (e ao Nobel da economia) é que, a receita FMI/Washington, que na grande maioria é igual para todos e sabemos qual é, dentro de portas, nos EUA, quando há desequilíbrios, a receita é inversa (como estamos a presenciar desde 2008). É aqui que entra a hipocrisia.
A manutenção da minha opinião é fundamentada na obra de um Nobel da Economia, conselheiro económico do governo Clinton e ex economista chefe do Banco Mundial, não creio que seja, como dizes, isolada de um tendência académica, e comparável com acções do Bloco de Esquerda. O que é um facto é que, de entre as economias desequilibradas que necessitaram do FMI, umas, escolheram o caminho sozinhas e sem FMI/Receita FMI e outras não, e as que escolheram ir sozinhas, apresentam melhores resultados, económicos e sociais. Outro facto é que, nas crises nos EUA, a receita que apresentam aos outros, para consumo interno (redução de taxas, sem austeridade fiscal, maior regulamentação mercado capitais, etc.) o inverso do que advogam para os outros desequilibrados.
Portanto, para que fique claro, gosto muito do capitalismo, tem e trouxe grandes vantagens ao mundo, mas, as económicas que inicialmente advogava e prometia, ainda vão estando por cumprir. Quando vir que as crises e a consequente desestabilização social deixa de ser constante, que a miséria em África foi erradicada, que as promessas de transição para um capitalismo global foram cumpridas, etc. etc. posso-te dar razão, espero que possamos chegar lá.
Estou com falta de tempo para me alongar mais, tarefas familiares
, mas, mais tarde, se necessário, volto ao tema.
Fiquem bem.... Thanks Lark