Isto foi só para alertar o Robaz que uma resposta como "então votem em quem propõe zero na cultura" é uma não resposta sobre o princípio moral que se discute: devem ou não serem retirados recursos compulsivamente a outros para financiar a cultura ?
Demais sabemos nós que nunca haverá cultura zero, nem que nenhum partido liberal alguma vez ganhará eleições em Portugal. A discussão aqui é no plano da ideologia, da moralidade, da ética. Só aí é que vale a pena esgrimir argumentos.
Senão as discussões morrem à nascença. Amanhã chega aqui alguém indignado porque a EDP tem rendas e eu digo "epá, então vota num partido que não dê rendas à EDP".
Pronto, fim de discussão. Nem se discute se é moralmente aceitável ou não.
Automek, eu não queria usar esse tipo de argumentos, mas foi para evitar usar piores. É que sinceramente, tentar argumentar contigo que a cultura não é uma simples questão de gosto ou argumentar com aqueles que acreditam que a Terra é plana deixa-me no mesmo estado de desespero. Não sei que argumentos mais usar, vocês ainda não me disseram que cultura apoiariam sob a forma de mecenato nessa vossa realidade paralela de que a cultura deveria ser ao gosto de cada um. Vocês diriam-me que iriam ao cinema. Mas que filmes iam ver? Alguém teria que escolher os que vocês poderiam ver, ou seja, quais estão em exibição (neste caso os donos dos cinemas). Com base em quê? Nos gostos de quem faz essa escolha? Afinal há sempre alguém a escolher, que não o pagador. Ou iriam ao teatro? Ver que peça? Alguma que esteja disponível, ou seja, alguma que alguém tenha gostado (neste caso os donos dos teatros) e consequentemente contratado actores, encenador, alugado um espaço (se não fosse dono de um teatro mas lhe apetecesse estoirar dinheiro nisso) e posto em exibição. Ou seja, a tua escolha é livre ou condicionada pelo gosto desse alguém? (Para vocês a cultura é escolhida apenas com base no gosto pessoal, portanto siga). Iriam a um museu? A que museu e sobre que temática? Alguém escolheu as peças expostas no museu, alguém as comprou com base no seu gosto pessoal, e tu apenas podes ver essas ou as de outro museu que correspondem ao gosto pessoal de outra pessoa. Estamos aqui claramente a falar apenas de exposições de coleccionadores privados que querem, por sua iniciativa e caso estejam para aí virados, a partilhar a sua colecção privada e a perder o seu tempo a fazê-lo (sim, não há cá museus públicos nem galerias públicas nem sequer apoiadas pelo Estado). E isto acontece, claro que sim, temos o caso do grande Gulbenkian (mesmo este caso deve ter algum apoio estatal). Mas... seremos livres? Estamos sempre condicionados pelo gosto de alguém. Bom, poderia usar infinitos exemplos, mas penso que a ideia já tenha transparecido. Vocês procuram uma liberdade moral que não existe. E o que querem é pagar menos nem 1% de impostos, levando a que a oferta por onde possam escolher livremente o que ver seja ainda mais limitada do que é, pois sem apoio público muitos museus, galerias, cinemas e teatros fechariam as portas. Esta é a realidade. Só não vê quem não quer. Ou então dizer que com esse nem 1% não teríamos crianças em contentores e Portugal seria o paraíso. Lol.
Serralves é motivo de orgulho nacional, é dos espaços culturais mais bem reconhecidos na Europa e no caso do João Ribas, alguém com um currículo que ninguém pode colar a facções políticas, demonstrou a sua imparcialidade na escolha das suas curadorias, que se querem o mais livres e ricas possível. É alguém que estudou e que sabe de arte contemporânea, e eu prefiro alguém assim a escolher que arte me é disponibilizada para eu poder escolher ir ou não ir ver, pagando bilhete. Se há muita malta que não merecia os fundos públicos que tem? Claro que há! Mas Serralves não é claramente um desses casos e não é por duas ou três maçãs podres que se corta a macieira.
Tive o propósito de deixar de fora a literatura e a música. A literatura é a forma de produzir arte mais "fácil" que existe. Apenas é preciso talento, claro, e papel e caneta, ou um computador. Há inúmeras editoras (privadas) e são publicados e distribuídos montes de livros, e mesmo apoios como prémios literários há aos montes. Digamos que é uma forma de arte que dispensa uma infraestrutura pesada, como um museu, um teatro ou uma galeria. A música igual. Neste caso, actualmente ainda mais, cada vez mais aparece música incrível feita por jovens nos seus quartos com instrumentos digitais e com base em samplagem. Mais uma vez, apenas precisam de um computador e uns softwares. O meu avatar representa exactamente um desses casos, que acabou por se tornar das maiores influências da música alternativa britânica dos 00. Existem montes de plataformas de partilha e venda online, onde se pode ouvir e comprar caso se goste (Soundcloud, bandcamp, etc). Mesmo editoras de música, surgem por aí que nem cogumelos a partilhar e distribuir música.
Mas lá está, não é com a música nem com a literatura que me preocuparia caso conseguissem esses 0% para a cultura, mas sim com o resto. Sim, eu posso nunca ter ido ver uma peça de ballet, mas quero que ele exista, que se mantenha a cultura, que seja preservada e apoiada pelos meus impostos. Quero a diversidade, e o desenvolvimento de massa crítica, é isso que faz o Mundo andar para a frente. E se para isso é preciso pagar mais 1% de impostos, por mim tudo bem, e não aceito que me condenem moralmente por isso. Porque os outros 99% são mais que suficientes, ou deviam, para nenhuma criança com cancro ser atendida em contentores, nem nenhuma escola ter aulas com pingos de chuva a cair nas salas. Se não o forem por 1%, não é esse aumento que me chatearia. E o meu voto vai neste sentido, e sem qualquer problema ético. Portanto resta-me dizer-vos, que se o vosso vai noutro, é apenas isso que têm que fazer.