Anteontem voltei a ver, em repetição, na RTP-
Memória,o documentário, denominado "Ilha Portugal", extraordinário, belo e verdadeiro sobre Eduardo Lourenço, nascido há noventa e um anos em São Pedro de Rio Seco, perto de Vilar Formoso e residente em Vence, perto de Nice, desde 1965.
Não. Nenhum exílio político, no caso dele. Simplesmente, foi para França leccionar nas universidades de Grenoble e Nice. O documentário biográfico está primoroso, e a verdade sobre nós, Portugueses, ressuma em todo o seu discurso.
Relato este episódio: em 2013, Eduardo Lourenço a olhar de perto para o écran do televisor, a (re)ver uma palestra de 1979 em que participou com António José Saraiva, sobre o25 de Abril e a Revolução Portuguesa. Espantoso! António José Saraiva impugnava, veemente, que o 1º 1º de Maio em Lisboa, tivesse sido uma manifestação ou um comício político revolucionário, porquanto aquele mar de gente
não passou de uma romaria! LOL. Eduardo Lourenço, nonagenário, a seguir, murmurando em silêncio as palavras do amigo, de sorriso passou ao riso, na explosão final de José Saraiva.
E realmente, dizia Lourenço, as revoluções são raríssimas na história; chamam-lhes revoluções, mas não passam de mudanças, e tudo fica na mesma; que a direita é muito poderosa e é quem manda, realmente; que a esquerda, não percebe nada do que acontece, só sonha que tem razão, que é governo, foi governo ou há de vir a ser, e tudo lhe passa ao largo; que
não há revoluções; revolução foi a Revolução Francesa, essa sim, foi a sério, mudou tudo, nada ficou como era. No entanto, acha que Saraiva exagerou com a irrelevância da "romaria", e de facto o regime foi derrubado, mas pouco mudou realmente; que a esquerda é muito importante, dela depende o progresso, mas é largamente minoritária e os regimes são dominados pela direita, poderosa.
Esta cena da
romaria do 1º, 1º de Maio - que foi realmente espantosa! - fez-me logo lembrar a descrição que Ramalho Ortigão faz da "Revolta da Avenida", onde os 40 revoltosos de 4 e 5 de Outubro (1910), após a certificação da vitória, foram percorrer a Rotunda a ver quantos tinham sobrevivido e contaram mais de dez mil! LOL
Enfim, retirado em Vence, Eduardo Lourenço visita a
ilha Portugal quase mensalmente, sempre disponível para participar em palestras, conferências e actos públicos a que o convidem. A sua fina ironia é uma delícia para o ouvinte. Ele diz de Vence e do sul de França, que é uma terra plena de latinidade, mais civilizada do que o foi o Império Romano, província desde sempre muito rica, culta e pacífica, onde se sente bem, embora a mulher afirme, que quando lá está evade-se em pensamento para Portugal, e por cá, passa o tempo a telefonar para lá :)