Começo por um caso que pode ilustrar a complexidade da tributação: um investidor residente em Portugal abre uma conta numa corretora (portuguesa ou estrangeira) e decide investir em ações mundiais através de um ETF.
Aqui vai o que descobri. Como não sou especialista nem tenho muito tempo para pesquisar exaustivamente, certamente haverá no fórum quem saiba mais. Espero que me perdoe e corrija algum erro ou que tenha informação relevante a acrescentar.
O NOSSO CASO:
Investidor: José Silva (residente em Portugal)
Corretora/banco: qual será o melhor país?
Investimento: fundo de ações (ETF) que investe em ações mundiais (fundo domiciliado nos EUA ou europeu)
O fundo poderá obter rendimentos a partir dos dividendos das empresas em que investe ou vendendo ações ao preço superior ao que comprou (mais-valia).
Por sua vez, o nosso José Silva poderá ganhar dinheiro se o fundo fizer distribuições periódicas ou se no final vender as unidades do fundo a preço superior ao que comprou.
Em termos de tributação, podemos suportar impostos a vários níveis:
Nível 1: LUCROS DAS EMPRESAS EM QUE OS FUNDOS INVESTEM
As empresas são tributadas nos seus países (IRC ou equivalente). Neste nível é independente do modo como investimos, embora as taxas possam variar grandemente de país para país (é fácil encontrar na internet quadros com as taxas dos principais países) e influenciar a escolha dos países a investir (o que é frequentemente menosprezado).
Nível 2: DIVIDENDOS DAS EMPRESAS
As empresas distribuem habitualmente parte dos lucros sob a forma de dividendos.
E os fundos de investimento, em geral, pagam impostos sobre os dividendos que recebem?
Alguns exemplos:
a) Um fundo norte-americano paga algum imposto quando recebe um dividendo de um ação dos EUA? Não ( “dividend exemption from corporation tax”; os detentores do fundo é que eventualmente pagarão quando recebem distribuições correspondentes a esses dividendos, distribuições essas que são obrigatórias nos fundos domiciliados nos EUA. Os fundos americanos não podem acumular)
b) E se a empresa for de outro país? Sim (“foreign withholding taxes will continue to apply to dividends paid on certain international equity securities and the amounts withheld by overseas governments …(is) approximately 7.5% for developed markets in a US-listed ETF” ). Aqui vai uma lista de países (em 2013):
http://www.djindexes.com/mdsidx/downloads/withholding_tax.pdfEm relação a ações de terceiros países, isto é habitualmente semelhante num fundo Americano ou europeu.
c) E se o fundo fosse europeu e a ação dos EUA? (um fundo estrangeiro, tal como um investidor não-residente, paga 15% nos EUA sobre os dividendos de empresas americanos se preencher a W-8BEN; 30% se não preencher)
Notas:
-uma discussão interessante sobre ETFs canadianos comprarem ETFs dos EUA vs comprar directamente ações estrangeiras
http://canadiancouchpotato.com/2014/09/12/foreign-withholding-taxes-in-international-equity-etfs/ )
-outro artigo canadiano extremamente interessante
https://www.pwlcapital.com/pwl/media/pwl-media/PDF-files/Justin%20Bender%20Assets/PWL_Bender-Bortolotti_Foreign-Withholding-Taxes_v04_hyperlinked.pdf?ext=.pdf )
Nível 3: MAIS-VALIAS NA VENDA DE AÇÕES DETIDAS PELO ETF
Quando o fundo vende uma ação a um preço superior ao que comprou O FUNDO paga imposto sobre a mais-valia?
- Penso que habitualmente não há lugar a pagamento. Até porque, para as empresas que estão cotadas em vários mercados, o fundo teria vantagem em fazer as suas transações nos mercados em que pagasse menos/não pagasse.
Notas importantes:
1- Os fundos norte-americanos são também obrigados a distribuir os “capital gains” realizados e não acumular.
2- Os ETFs habitualmente conseguem escapar a essa distribuição pois a rotação da carteira é baixa (muitos são passivos e os investidores podem vender em bolsa e não resgatar as unidades) e quando querem vender alguma ação que tenha mais-valia podem compensar vendendo outra que tenha menos-valia. A maioria das mais-valias permanece por realizar. Por isso se diz que os ETFs são fiscalmente mais vantajosos.
NÍVEL 4: DISTRIBUIÇÔES DO FUNDO
Quando o José Silva recebe rendimentos periódicos do seu fundo, paga algum imposto?
a) No país em que o fundo está domiciliado:
Se o fundo é norte-americano: um investidor não-residente paga 15% nos EUA sobre os os rendimentos do ETF se preencher a W-8BEN (30% se não preencher). Muitos investidores não se preocupam com isso e muitos bancos/corretoras não o permitem.
b) No país onde tem a conta?
- Se a conta é nos EUA paga o referido na alínea a)
- Se a conta é na Europa, provavelmente pagará a EU withholding tax. Esse valor será comunicado às autoridades portuguesas (penso que na EU apenas a Áustria e o Luxemburgo retêm mas ainda não comunicam, por enquanto).
- Se a conta for na Suiça, também se aplica a EU withholding tax. O desconto é de 35%, mas como já ficaram 30% retidos nos EUA, só retêm mais 5% do valor inicial. Do retido, Suiça fica com ¼ do que reteve e entrega ¾ ao país de residência de uma forma anónima.
c) Em Portugal pagam imposto (28%)
RESULTADO (tributação das distribuições do fundo):
-fundo americano, conta tb. nos EUA: 30% (15% com declaração) + 28% (do remanescente?) em Portugal. Duvida: terá que há comunicação ao fisco português? (imagino que ainda não, mas não demorará muito)
-fundo americano e conta na EU 30% (15% com declaração) + mais 28%
-fundo americano e conta na Suiça 30+5%= 35% (em princípio ficará anónimo, por enquanto)
-fundo europeu, conta em Portugal: os fundos são habitualmente domiciliados na Irlanda ou no Luxemburgo e pagará “apenas” 28% em Portugal (não sei se é necessária alguma declaração ou procedimento burocrático).
Nota: neste último caso, se o fundo for de ações dos EUA, um fundo europeu pagará 15% sobre os dividendos que receber dessas ações, o que quer dizer que a vantagem é menor quando se investe em ações dos EUA.
NÍVEL 5: MAIS-VALIAS NA VENDA DE UNIDADES DO ETF (recebidas pelo investidor)
Finalmente o José Silva decide vender o ETF. Se teve sorte (ou engenho) e a mais-valia existiu pagará imposto:
a) Nos país do fundo: se forem os EUA não (como não residente)
b) No país onde está a conta: penso que não haverá retenção.
c) Em Portugal? Pagam (28%)
Nota: um membro deste fórum tem afirmado que os acordos internacionais de troca de informações fiscais, no âmbito da OCDE, que entrarão em vigor nos próximos anos, não incluem mais-valias (li o texto e fiquei com duvidas, não sei como será melhor). Mas dentro da UE poderá haver troca de informações.
RESUMINDO:
A rentabilidade do investimento num fundo depende das distribuições de rendimento e da mais-valia final.
Em Portugal ambas pagam 28% de imposto.
Os fundos domiciliados nos EUA são obrigados a distribuir os dividendos que recebem e as mais-valias realizadas com a venda de ações. Essa distribuição está sujeita a retenção nos EUA de 30% (15% acionando o acordo de dupla tributação). Adicionando os 28% em Portugal, a opção é muito penalizadora.
De referir que fundos “high dividend yeld” e “value”, apesar de historicamente mais rentáveis e por isso muitas vezes preferidos por investidores que gostam de ETFs, têm rentabilidades mais dependentes do dividendo das ações que compram do que da valorização de capital.
Parecem muito mais aconselháveis os fundos europeus (habitualmente domiciliados na Irlanda ou no Luxemburgo) que permitem evitar a dupla tributação das distribuições.
Também já investi num fundo domiciliado em Hong Kong (ETF de ações chinesas) e lá nada retiveram, pelo que podem ser uma alternativa, nomeadamente para investimentos asiáticos.
Além disso, os fundos domiciliados na Europa, ao contrário dos norte-americanos, podem não distribuir rendimentos (serem de acumulação). Assim, vamos ter potencialmente maiores mais-valia e menos dividendos.
Apesar de em Portugal serem igualmente taxadas (28%), as mais-valias têm várias vantagens:
-o imposto pode ser pago mais tardiamente (por exemplo, se se mantiver o fundo vários anos) o que gera maiores rentabilidades potenciais, pois entretanto o dinheiro (espera-se) vai rendendo. Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos (Benjamin Franklin), mas para ambos não existe pressa;
-o imposto pode ser reduzido com mais-valias de outro fundo;
-existem mais formas de contornar esse imposto.
Do exposto, penso que, na maioria dos casos, o ideal será investir em ETFs de acumulação domiciliados na Europa (e estaremos também a dar um contributo para a economia europeia que bem precisa).