Impostos retroactivos?
Como terminou o caso de 2010, da cobrança retroactiva das mais-valias.
SOBRE QUE SITUAÇÃO SE PRONUNCIOU
O STA?
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) pronunciou-se em junho, num acórdão agora publicado em “Diário da República”, sobre um diferendo entre a Autoridade Tributária (AT) e um contribuinte a quem o Fisco veio cobrar em 2014 mais de €155 mil em IRS, relativos a mais-valias obtidas em 2010 na venda de ações de uma empresa. O contrato de venda dessas ações, no valor de €2,16 milhões, datava de 12 de março de 2010.
Mas a AT calculou o IRS com base na taxa de 20% que resultou da Lei 15/2010, que entrou em vigor apenas a 27 de julho de 2010, agravando a taxa de 10% até então cobrada às mais-valias na venda de ações. O contribuinte (não identificado) contestou a cobrança da AT, mas
um tribunal arbitral deu razão ao Fisco. O contribuinte recorreu
e o STA acabou por lhe dar razão.
QUAL ERA A ARGUMENTAÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA?
A AT entende que na Lei 15/2010 o legislador “pretendeu de facto que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010 das quais resultasse um saldo positivo fosse sujeito a tributação efetiva, independentemente da data da sua realização”. O Fisco argumentou que o IRS se caracteriza por ser um “imposto direto e periódico de carácter anual” e que o que gera o imposto a pagar é a situação do contribuinte a 31 de dezembro de cada ano. Segundo a AT, não faz sentido afirmar que se trata de uma situação de retroatividade “quando a solução legal, por um lado, se aplica ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano e, por outro, respeita a factualidade ainda em formação, cuja verificação plena apenas ocorre no fim do período de tributação”.
O QUE CONCLUIU AFINAL O SUPREMO
NESTE PROCESSO?
No caso em questão,
afirmam os juízes de contencioso tributário do STA, “ocorreu
a aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea
já completamente formados
em momento anterior à data
da sua entrada em vigor, o que envolve uma retroatividade autêntica”. O STA conclui que
“as mais-valias em discussão nestes autos estão sujeitas ao regime
legal vigente à data da venda”,
pelo que fica sem efeito a decisão arbitral que tinha dado razão
ao Fisco e têm de ser anuladas
as liquidações adicionais de IRS
de 2014. Com esta decisão, não
só a AT tem de devolver o imposto cobrado a mais como também
terá de suportar as custas do processo.
QUE IMPLICAÇÕES TEM ESTE ACÓRDÃO?
O acórdão do STA vem
uniformizar a jurisprudência
nesta matéria, pelo que permitirá “colocar fim a uma querela
que se arrasta desde a publicação
em 2010 da Lei 15/2010,
de 26 de julho, referente
à tributação das mais-valias”,
como nota Rogério Fernandes Ferreira, advogado e antigo
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, num parecer divulgado
esta semana. “Concordamos
com a decisão e com o seu fundamento”, comentou este advogado, reconhecendo,
todavia, a “existência de vozes autorizadas anteriores a subscrever tese contrária”. Havendo vários litígios sobre este tema ainda
em fase de recurso, tudo indica
que eles acabarão por ser resolvidos
a favor do contribuinte.