Os gregos da Antiguidade também discutiam o sexo dos anjos,
e não só os gregos do Império Romano do Oriente
que durou mais mil anos do que o latino.
A prova do que digo podes encontrá-la nas inúmeras
ditaduras que tinham de seguir-se aos períodos
de democracia de rua e retórica nos fóruns.
Se quiseres rir-te com um pequeno desvio,
lê este poema de Nuno Júdice sobre Constantinopla :):
O sexo dos anjos
Foi em bizâncio, antes da queda. Discutiam
o sexo dos anjos, e a discussão ficou interrompida
quando os turcos cortaram o fio à meada, se é que
não cortaram mesmo o sexo aos anjos. Bizâncio,
então, podia ter caído uns dias mais tarde: talvez,
durante esses dias, se pudesse chegar a uma conclusão
sobre qual era, afinal, o sexo dos anjos; e o assunto
interessa-me porque os únicos anjos que conheço
são em estátua, e não é possível espreitar o sexo
de uma estátua! A queda de um império, é verdade, dá-nos
estas coisas imprevisíveis: dá-nos um voo de argumentos
teológicos sobre o sexo; e traz-me, de súbito, o teu
rosto inquietante na sua fixidez de enigma grego – esse
rosto de perfil, e também gosto dos perfis, mesmo
quando não são de anjos ou não têm a linha pura dos
ícones gregos. Basta-me, então, saber que é o teu rosto;
ouvir ainda as tuas últimas palavras de despedida, que
me soaram demasiado secas (mas que outro tom se pode
usar numa despedida para não ser patético, como esses
que ainda discutiam o sexo dos anjos num conflito cercado
pelos turcos?) – e dizer-te, agora que o sexo dos anjos me
trouxe o teu sexo, que não há voltas a dar ao amor
quando o céu muda a cada instante, e é preciso, apesar
de tudo, que alguma coisa permaneça intacta em tempos
de mudança. Que outros impérios terão de cair para isso? Em
que novo concílio ouvirei discutir o sexo dos anjos,
sabendo desde já que o único sexo que me interessa é
o teu? Ouve, então, de novo: em bizâncio, uma
tarde, foram todos degolados à beira da conclusão.