Portugal na “premonição” de Gabriel Garcia Márquez
Tenho muitas dúvidas, mesmo muitas dúvidas, que este sistema pretenda deixar de ser aquilo que é, espelho desta nossa realidade herdada de “décadas de ditadura medieval”, que emerge quotidianamente nas vivências das cidades “aldeias” com ar cosmopolita, com uma cultura enraizada nesse «modus vivendi» da nossa «cultura politica», que bem traduziu Gabriel Garcia Marquez, gere a sua acção para que possa continuar, serenamente, a – “sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo”.
“Portugal está condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo”- palavras de Gabriel Garcia Márquez citadas, hoje, numa noticia do jornal «Público», recordando três reportagens do escritor sobre Portugal, num tempo em que ainda mal começava a nascer a ideia de adesão à União Europeia.
O escritor, nessas suas reportagens, também definiu Lisboa, como sendo “a maior aldeia do mundo” que, registou “nos restaurantes caros” os “mariscos são exibidos como jóias nas montras, os burgueses em retrocesso desancam verbalmente os comunistas”, e “nos restaurantes populares, os empregados perguntam se devem receber gorjeta”.
Um país que salientava Gabriel Garcia Márquez nascia para um tempo depois de “décadas de ditadura medieval”.
Leio estas palavras e penso no meu país, hoje, de facto sentado à mesa dos ricos “de sapatos rotos e casaco remendado”, onde os efeitos de “décadas de ditadura medieval” continuam a marcar as vivências do nosso quotidiano.
Estou mergulhado nestes pensamentos e dou comigo a ler, Viriato Soromenho Marques, que nos fala na necessidade de “refundar abril” e “cortar o novo nó górdio”, afinal esse, que Gabriel Garcia Marquez, antecipou e visionou nas suas reportagens, de estarmos de sapatos rotos e casaco remendado” à mesa dos ricos, essa mesa que bem sublinha Viriato Soromenho Marques, continua a ignorar que – “o federalismo tem que começar pela politica e não pela moeda”.
“O que temos hoje é um mercado comum e uma moeda única que funcionam como máquinas de terror económico e social sobre milhões de mulheres e homens desprovidos de poder efetivo” – escreve Viriato Soromenho Marques, na sua crónica no JL, acrescentando que – Portugal deixou de ser um império colonial para se transformar numa colónia da burocracia de Bruxelas, ao serviço do capital financeiro, e da hegemonia defensiva de Berlim”.
“A divida é hoje a camisa-de-forças que esmaga os povos, destrói os estados, e aterroriza os cidadãos. E a procissão vai no adro.” – salienta Viriato Soromenho Marques.
Conclui no seu artigo – “ou fazemos um federalismo europeu para cidadãos europeus iguais. Ou, então, teremos de reclamar a soberania que nos foi usurpada”. O tal nó górdio a cortar.
O problema, esse é o problema real, é que, por muito que nos custe, este nó górdio é o nosso sistema – todos sabem isso.
Tenho muitas dúvidas, mesmo muitas dúvidas, que este sistema pretenda deixar de ser aquilo que é, espelho desta nossa realidade herdada de “décadas de ditadura medieval”, que emerge quotidianamente nas vivências das cidades “aldeias” com ar cosmopolita, com uma cultura enraizada nesse «modus vivendi» da nossa «cultura politica», que bem traduziu Gabriel Garcia Marquez, gere a sua acção para que possa continuar, serenamente, a – “sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo”.
Portugal mudou muito com o 25 de Abril, mas não mudou, nessa essência herdada de “décadas de ditadura medieval”, porque, afinal, razão tem Eduardo Lourenço – “a nossa democracia é ainda ao cabo de 40 anos um espécie de regime sem nome”, acrescentando que a revolução de abril restitui-nos o gozo de “uma cidadania adulta”, onde “só o seu momento inaugural permanece vivo” – “uma memória viva” e “realmente memorável”.
É, por isso, só por isso, penso eu, que é na mudança dessa nossa raíz de “cultura politica” herdada de “décadas de ditadura medieval”, que reside a possibilidade de mudança, o que será muito difícil, mesmo muito difícil – basta recuar aos textos de Eça de Queirós e percebemos – porque a nossa realidade politica, afinal, ficou bem expressa, na premonição de Gabriel Garcia Marquez, quando visitou Portugal é de um país que – “está condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo”.
Pode ser que futuras gerações, um dia, revisitem aquele momento mítico do dia 25 de Abril e acreditem que Portugal pode ser um pais soberano e livre. Pode ser...
Sim, é verdade, Viriato Soromenho Marques, é preciso dar continuidade e rasgar caminhos para construir o novo ciclo aberto com o 25 de Abril, aqui, nesta “ocidental praia lusitana”!
António Sousa Pereira