No sistema presente, ou melhor, num sistema de mercado livre, "os que dele beneficiam" são quem faz coisas para os outros e por isso pode gozar das que fazem para eles.
E como é que esta teoria lida com as fortunas que vêm de trás e permitem gozar do que os outros fazem para a sociedade, sem fazer algo em troca? Como lida com o facto dos mais astutos, e socialmente mais bem posicionados, utilizarem o trabalho dos mais fracos para alavancar os proveitos que revertem quase exclusivamente só para si? Como lida com os excluídos que gera devido à competição desenfreada, deixando para trás um rasto de injustiças?
É certo que algumas situações que apontei não são culpa da economia de mercado em si, no entanto ela amplifica-as.
Uma fortuna que vem de trás que tenha sido obtida a fazer para os outros em excesso do que se gozou dos outros, ainda assim será baseada no mesmo princípio ainda que o indivíduo que a gaste não seja o mesmo que a constrói.
Os astutos, etc, obterem trabalho voluntário de terceiros pelo menor preço possível é algo que todos, incluindo os mais fracos, praticam perante terceiros - basicamente toda a gente tenta pagar o menor preço possível e não é portanto surpreendente que alguém o faça. Desde que quem recebe o faça de forma voluntária, não existe nada de errado com isso. Se criares uma sociedade onde contratar terceiros seja francamente atraente (pela facilidade em obter lucros), mais tarde ou mais cedo obténs mais emprego, competição pela obtenção de empregados, em muito melhores condições para os empregados. Sempre que os lucros são elevados e existe escassez de mão-de-obra a mão-de-obra tende a ser muito bem compensada. E no geral, a mão-de-obra fica com a maior fatia do valor produzido.
Um excluído devido à competição desenfreada não é uma injustiça. Mas é um facto que o sistema não prevê de base o que fazer com quem não consegue produzir para os outros, pelo que isso tem que lhe ser acrescentado. Quando se faz esse acrescento, tem que se ter em conta: 1) Que alguém que produza para os outros deve viver melhor do que alguém que não o faça e obtenha apoio do sistema; 2) Que a criação de uma forma de obter recursos de terceiros sem lhes dar nada em troca é extremamente perigosa para a justiça do sistema e extremamente atraente para muitos indivíduos.
A economia de mercado livre não amplifica nada - isso é um mito. Um mercado voluntário não tira a ninguém. O que um mercado livre faz que dá essa sensação, é que enriquece brutalmente muitas pessoas, e as que não enriquecem nesse contexto, mesmo que estejam melhor em termos absolutos do que estavam antes, sentem-se mais pobres (em termos relativos). Para um mercado poder tirar algo a alguém, já não pode ser livre, já têm que existir relações que não são voluntárias.