Sempre o risco da democracia é o de sucumbir na demagogia. Já assim era no tempo de Péricles. Por outro lado, Maquiavel alertou os políticos a prestarem atenção à tomada e conservação do poder. Esse realismo tem de presidir ao olhar sobre a vida em sociedade. Espinosa, valorizando a liberdade intelectual, incluindo a expressão pública do pensamento, preferindo a democracia à aristocracia e à monarquia, nunca perde de vista a real politik da posse e do uso do poder, e também, do seu contrário, a resistência ao poder, a desobediência civil, a subversão. Quando j. sebastião evoca o contexto para distinguir um roubo de uma política de erradicação da miséria, faz necessariamente apelo ao que as pode distinguir: a consequência de um e outro acto. Espinosa diz o mesmo: apunhalar o peito de um homem, fisicamente é o punhal na mão, o braço movido com violência a espetar o punhal no peito da vítima. Qual a diferença do acto no caso de a vítima ser um tirano ou um pobre viajante assaltado na estrada? Óbvio: as consequências, o objectivo que anima um e outro acto, em si, fisicamente idêntico. Quid júris? Os fins justificam os meios? Só se o meio não contradizer o fim - e o fim seja louvável -, pensa Espinosa. De resto, é tão ou mais Maquiavel que Maquiavel. E que reino habita então Espinosa? Ele o diz: <O que mais convém ao homem é o seu semelhante>. Mas porquê? como? Já não há inimigos? Há. Compactuar com inimigo é suicidário. Logo, combater? Por certo que sim. Nunca o direito natural de defesa, oposição e combate ao que prejudica é questionado ou cedido a favor do estado, a favor de não importa que soberano: rei, nobres, homens de mérito, povo ou representantes eleitos pelo povo. O indivíduo nunca cede o direito natural de viver, de lutar e defender-se e aos seus. Isto até é reflectido e reconhecido no direito penal na forma de menor pena no caso de resistência individual à força da autoridade, e, por exemplo, menor pena por cumplicidade ou defesa de familiar criminoso, etc. Quid júris, então? O que distingue Espinosa que seja superior a Maquiavel? Pois bem, além do que já disse: o 'meio não contradizer o fim', ele defende que o que mais convém ao homem é o que ele tem de semelhante com o homem: a razão. É pela razão, que os homens conseguem aperceber-se que podem ganhar muito mais entendendo-se entre si, do que cada um buscar vencer por si contra tudo o que lhe é adverso, seja na natureza seja no reino animal, vegetal, mineral, climático ou o de outras sociedades e grupos que o ameacem. As bases de uma tal cooperação não podem assentar senão na justiça e na liberdade acrescida de cada um ascender à sua plena maturidade enquanto humanos: o uso da razão - o da razoabilidade, acrescente-se, como fórmula de entendimento entre as pessoas e os povos, a qual expande a liberdade, não a diminui. Os liberais até podem ter razão... provem que conseguem uma tal cooperação sem conter e diminuir a desigualdade de rendimento entre os cidadãos de cada sociedade e sem embrutecer o povo a um nível alienante e sub-humano de existência.