Automek, não me parece que a questão se coloque em termos de uma pessoa que sabe muito de X e pouco de Y seja melhor, ou tenha conhecimentos melhores que quem sabe de Y e pouco de X. Não há conhecimentos melhores nem piores teoricamente. E, sendo eu anti-classes, uma pessoa que seja um grande filósofo vale tanto como um grande mecânico, um grande jogador de xadrez ou um grande músico. Como pessoas, como seres humanos, valem o mesmo. Até uma pessoa que não sabe fazer nada bem, provavelmente porque nunca experimentou fazer aquilo para o qual nasceu com aptidão, vale o mesmo que elas.
Agora, o que há é áreas de conhecimento mais úteis ao desenvolvimento humano e social das comunidades que outras. A Filosofia não é saber de cor nomes de filósofos ou o que eles disseram, mas sim interpretar os raciocínios e argumentações que eles usaram ao pensarem sobre um determinado problema da altura, e tentar aprender com eles, de forma a poder, com mais ferramentas intelectuais, seja de raciocínio, seja de argumentos com base em questões anteriores já resolvidas com sucesso ou insucesso, resolver problemas actuais da sociedade que realmente mexem com as nossas vidas. Sim, o futebol mexe com as nossas vidas também, mas creio que estamos de acordo que o facto de o Benfica ser ou não campeão este ano não é (ou não deveria ser) uma preocupação para a comunidade em geral como o futuro do Euro, ou o futuro da União Europeia, ou mesmo o futuro da indústria e do emprego com a exponencial automação de processos. Se olhares com retrospectiva para o passado, percebes que o Homem evoluiu pensando sobre o que seria melhor para a comunidade, cometeu erros, aprendeu com eles e seguiu em frente. A História e a Filosofia são áreas do conhecimento que nos permitem, por um lado, evitar cometer os mesmos erros (por isso é tão perigoso ter pessoas pouco instruídas nessas áreas como governantes de países, pois têm poder que influencia milhões e não apenas o próprio), e por outro lado pensar o futuro. Filosofia é a arte de saber pensar, de saber reflectir e após, saber argumentar e contra-argumentar sobre um certo tema. História é conhecimento do passado, dos erros e das boas decisões, e do que originou o quê ao longo dos tempos. Não é saber de cor os nomes dos Reis. A informação é importante, mas mais que isso, é essencial saber perceber o que ela nos diz sobre nós.
Quanto à arte, fiquei curioso, fotografias de crianças nuas é pedofilia? Fotografia de pessoas nuas é pornografia? Pode estar a escapar-me alguma foto do Mapplethorpe, mas quais são as imagens pedófilos que falas? Estamos a falar de nudez ou abuso sexual? Só para dar os meus 2 cenas sobre o assunto Serralves, quem valoriza a liberdade seria a favor do que o João Ribas quis, que é total liberdade de acesso a todas as 179 obras, e não apenas as 159 expostas pelo museu contra a sua vontade, com salas restritas a menores de 18. As obras com cariz mais chocante deveriam ter um aviso sobre isso na porta da sala, mas a entrada de crianças deve ser liberdade dos seus encarregados de educação, ou de cada pessoa sendo maior de idade. Não deve ser o museu a decidir isso, muito menos contra a vontade do seu curador. Para isso não têm curador.
Adiante, a Arte, na MMO, tem um valor estético mas também um valor interventivo. Isto quer dizer que a Arte, seja ela Pintura, Literatura, Escultura, Música, Cinema, Fotografia, Dança, etc., tem esses dois valores, e muitas vezes os artistas expressam a sua crítica a algo que consideram que seja errado. Por exemplo, a obra do Andy Warhol é uma crítica ao consumismo. Esse é o seu valor interventivo. É a sua forma de levar as pessoas a pensar na vida consumista que levam, a fazê-las pensar. Estéticamente, tem a sua coerência no estilo, na cor, etc. Não sou um entendido, pessoalmente gosto, mas a meu ver o grande valor é interventivo. E muitas vezes as pessoas criticam algo sem ao menos tentar perceber o que significa, só porque não gostam esteticamente.
Enfim, fico-me por aqui, mas seriam um assunto com pano para mangas. Eu percebo que se relativize tudo mas é preciso tentar não deitar a perder os ganhos civilizacionais que obtivemos no passado (democracia, liberdades, tolerâncias, etc), nem ignorar o património, seja ele físico seja intelectual, que o passado nos deixou, para enfrentar os problemas do futuro. E acho que isto, mesmo sendo eu um benfiquista relativamente ferrenho, é mais importante para a sociedade em geral que saber se o pênalti sobre o João Félix era ou não era para ser assinalado.