O mais relevante julgo que não seja os aumentos percentuais dos rendimentos, porque no limite um aumento de milhares de pontos percentuais sobre nada, continua a ser nada. A questão é porque os mais desfavorecidos não participaram deste crescimento por via de transferências sociais? Quando há um choque económico como o que aconteceu na China, não concebo que seja a selecção natural de Darwin a determinar quem fica rico e quem permanece pobre (mesmo que menos pobre), porque isso, desculpem-me o termo, é a lei da selva.
Terá de haver mecanismos de transferências sociais de modo a não permitir estas desigualdades abismais. Quem puder participar no boom ficará mais rico, nada contra, mas deverá contribuir por via de transferências via Estado para aqueles que por algum motivo não puderam acompanhar. Notar que o enriquecimento não é apenas inerente às capacidades e trabalho de quem enriquece, mas tem uma componente de sorte determinada pelas circunstâncias, quer pessoais, quer de conjuntura económica. Esses mesmos ricos colocados noutra conjuntura não seriam ricos, é preciso ter isto em conta para não se assumir que toda a riqueza se deve APENAS ao individuo. Poder-se-á perguntar, porque só enriqueceram agora durante o choque económico favorável? Se a capacidade de enriquecimento fosse intrínseca ao individuo, independente das circunstâncias, então deveriam enriquecer mesmo em situações adversas.
Ora não sendo isso verdade, no enriquecimento há uma componente extrínseca ao índividuo, e pelos menos parte dessa compenente de riqueza deve ser partilhada com aqueles que por motivos também extrínsecos a si ficaram para trás e não puderam aproveitar uma dada oportunidade, num dado momento.
O zero não existe. Seja dinheiro, sejam bens, todos têm que ter algum (recebido, poupado, dado) para terem sobrevivido.
No caso da China, os aumentos são brutais.
Olhando para o gráfico, os mais ricos passam aproximadamente de 1100 para 11000, um aumento de 900%. E os mais pobres, de 300 para 1400, um aumento de 370%.
Repara que são ganhos reais (acima da inflação). O que significa que, nos últimos 27 anos e em termos de rendimento, o sistema chinês foi absolutamente fantástico, quer para os mais ricos, quer para os mais pobres. Eu acredito que preferisses outro sistema, mas com esse sistema os resultados seriam certamente inferiores (provavelmente até para os mais pobres). Acredito também que nos próximos anos, quando o China se tornar num país mais rico e com crescimetno menor, os diferenças se vão estreitar.
É contudo curioso que se critique o aumento da desigualdade e não se realce a enorme melhoria de rendimento dos mais pobres. Sabendo que actualmente os pobres da China ainda têm uma vida muito austera, imagine-se como seria há 27 anos quando só disponham de 1/5 do rendimento actual. O que foram para eles 27 anos de capitalismo selvagem.