Joacine vs Livre. É, sem dúvida, o tema da semana. Pelo menos, para o cronista preguiçoso e ligeiramente engripado, sem pachorra para se ir informar sobre o Movimento Zero, o estado do SNS ou o impeachment nos EUA, e que por isso aproveita a benesse de uma polémica pronta a escarnecer e que até permite descarregar um bocadinho de schadenfreude.
A grande questão política sobre o diferendo que opõe a direcção do partido à sua deputada, a propósito do voto sobre Gaza é: será que o Livre guardou o talão de troca da “Loja de minorias para efeitos de show off” onde adquiriu a Joacine Katar Moreira? É que estou mesmo a ver o que é que aconteceu ao Livre, uma vez que sou casado com a versão humana do partido. Esta desilusão com Joacine é igual à que a minha mulher teve com a roupa da festa do fim-de-ano. Ela tinha comprado um casaco bem espalhafatoso, cheio de lantejoulas e rendas, para usar no réveillon. Foi um sucesso. Fez um vistão na pista de dança, impressionou os homens e causou inveja às mulheres. Na manhã seguinte, percebeu que o casaco era desconfortável, de qualidade duvidosa, demasiado espampanante para o dia-a-dia e que não ia voltar a usá-lo. Mais valia trocar por uma peça mais sóbria e útil. É o que o Livre descobriu agora.
Isto de Gaza é, no fundo, o que os patrões malvados costumam fazer às empregadas domésticas: inventar um pretexto qualquer para a mandar embora mesmo antes de acabar o mês de experiência. Normalmente, só o fazem se já tiverem outra candidata debaixo de olho. Quem será, então, o membro de minoria interseccionalizada que o Livre vai escolher para expor na vitrine? Tem de ser alguém sobre quem dê para fazer um teledisco muito moderno a elencar as características físicas que o recomendem. “Hoje passei no Marquês e vi o cartaz do Livre. Uma par de siamesas esquimó!” Seja quem for, é melhor ter em conta que, como diz o povo (o “povo”, caso os militantes do Livre não se lembrem, é o conjunto de todas as pessoas, não segmentados por raça, sexo, religião ou orientação sexual), “quem vê caras e fica inebriado pela cor da pele, não vê corações e personalidades”.
Aliás, este caso é uma espécie de história do Patinho Feio, mas ao contrário. O Patinho Feio era abominado e maltratado, apenas por ser diferente. Quando cresce, revela-se um bonito cisne. Com
Joacine Katar Moreira passou-se o inverso: era louvada e adorada apenas por ser diferente, mais tarde revela-se uma camarada desagradável. Agora, como é óbvio, o Livre vai ser acusado de racismo, xenofobia e sexismo. É o que acontece quando se traz para o galinheiro, não a raposa, mas a galinha maçadora, sentenciosa e paranóica.
Há que dizer que o Livre se está a pôr a jeito. Quando, no comunicado “
Sobre o voto de condenação à agressão israelita a Gaza”, diz que o voto de Joacine Katar Moreira “não reflete as tomadas de posição oficiais do partido”, enterra-se. Afirmar que Joacine “não reflecte” é uma óbvia crítica à sua cor da pele, que por ser negra não reflecte a luz.
Pelo menos, é esse o sentido que as pessoas #politicamente corretas ao quadrado vão dar digo eu#
Entretanto, Rui Tavares, fundador do Livre, revelou estar perplexo com tudo isto. Com todo o respeito que o Rui Tavares me merece, não acredito que tenha sido apanhado de surpresa. Há já algum tempo se deve ter apercebido que a Joacine Katar Moreira não é a pessoa ideal para ser deputada do Livre. Provavelmente, até antes das eleições. Só que, imbuído do espírito das opressões identitárias, auto-censurou-se.
https://observador.pt/opiniao/farsa-de-gaza/ganharam um deputado devido politicamente correto
e correm risco desaparecer devido politicamente correto