Tens razão. Mas com essa liberdade surgem também mais hipóteses de abuso, porque não há tantas regras para proteger as partes envolvidas. E as desigualdades são deixadas ao abandono e ao puro acaso, em vez de haver um sistema estruturado deliberadamente para atenuar os defeitos gerados no seio da vida comunitária. A liberdade tem esse pequeno problema - aquela que reclamamos como nossa pode sempre chocar com a do próximo. Se queremos muita, muita, muita liberdade, talvez tenhamos de espezinhar o colega do lado para a alcançar. Espezinhar, que é como quem diz, fazer de conta que ele não existe e que não é um problema nosso que ele viva na miséria.
Isto é tão falso. Nunca vivemos com tantas regras, regulamentos e leis. Contudo, os abusos persistem. Isto acontece porque a moralidade é atestada a nível individual e não ao colectivo. O colectivo quanto muito condiciona o comportamentos, mas só depois de uma evolução de costumes em que uma minoria ou um individuo começou a defender que isto ou aquilo é certo ou errado. O que ontem era aceitável hoje já não o é.
É um pouco como o pai de família, de poucos recurso, que perde o seu emprego e começa a roubar. Ele começa a roubar porque tem já essa predisposição moral para o fazer e não porque perdeu o emprego. Perder o emprego é unicamente uma auto-justificação, para si e para sociedade.
Quem viola as leis tem essa predisposição para o fazer, não é fazendo mais leis que o vai impedir. Contudo, se essas leis forem demasiadas e intrusivas é possível que mais pessoas, que inicialmente seriam cumpridoras, se tornem incumpridoras.
O que é que é "tão falso"? Que a existênca de regras providencia proteção social,? E que um dos fundamentos para a sua existência é precisamente proteger o maior número de agantes abrangidos pela sua jurisdição?
Não sei se já houve mais ou menos regras nem se há mais ou menos abusos agora, mas não é esse o meu argumento. O meu argumento é a favor da necessidade de ter pelo um conjunto mínimo de regras que asseguram determinados níveis de democracia e liberdade, não que retirem liberdade ou afastem as pessoas da democracia.
Contra as "pré-disposições" nada se pode fazer. Com ou sem regras, nada impede que uma faísca motivacional potencie uma transgressão. Mas um conjunto de leis reguladoras define e orienta, de forma determinante, uma série de comportamentos sociais. Sem estas regras, esses comportamentos seriam outros completamente diferentes.
Se pensares bem, Jsebastião, tu ou alguém próximo têm alguma coisa em que és incumpridor. O valor do património, a piscina não declarada, umas mais-valias de acções antigas, um cócó de cão que ficou por apanhar, ficar no bar depois da hora de fecho, umas obras sem a comunicar, etc, etc.
É verdade. Tens razão. Mas imagina que não havia nenhuma lei para regular estas situações? Que quantidade de incumpridores consideras que haveria? Os mesmos?
Se fosses patrão e não houvesse regulamentação, irias abusar forte e feio do teu funcionário?
Eu não, mas conheço uns quantos casos que era certinho. Aliás, com regras já fazem o possível e o impossível para lixar os trabalhadores, quanto mais sem regras.
Olha a julgar pela moralidade da maioria das pessoas que por aqui andam não me parece que o fizessem. Contudo, pessoas que são muito conhecidas pela defesa da igualdade são normalmente pessoas que acabam por cometer abusos, e o que não falta aí são milhares de casos. Na minha terra costuma-se dizer "Quem fala muito em barcos quer embarcar".
Talvez, mas a questão que aqui importa é que não são só estes. É transversal a toda a sociedade, quer esses indivíduso defendam ou não publicamente a igualdade. E daí a necessidade de ... regras.
Mas lá estou eu outra vez a ser pessimista em relação ao ser humano.