Ora aqui está um artigo soberbo do Nick Cohen:
https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/feb/05/donald-trump-lies-belief-totalitarianism
Põe o dedo na ferida. Há muitos conservadores que pensam que isto que se está a passar é só "a revolta dos deserdados da globalização", que não há ameaças de criar um Estado racial, ou fascista, que o Trump vai ser bonzinho e que os críticos do Trump é que "são histéricos", e piores que o Trump. Notar que estes conservadores são *contra* o Trump, só que acham que ele não é assim tão grave.
Por ex, no Observador, o José Manuel Fernandes, o João Carlos Espada, o Paulo Tunhas, o Rui Ramos, são mais ou menos isto.
O Nick Cohen diz que estes conservadores são "mentalmente limitados". Não conhecem a história.
O populismo, por definição, não resolve problemas.
O fascismo pode originar economias extremamente viáveis, mas é perigoso para o relacionamento pacífico entre nações.
O nativismo (que basicamente consiste em restringir a imigração) é perfeitamente compatível com uma sociedade democrática, com mais segurança e menores tensões internas. As sociedades mais homogéneas etnicamente tendem também a ter menores desigualdades sociais.
O problema é que o mainstream e, principalmente, a comunicação social têm tendência a meter tudo (populismo de esquerda e de direita, fascismo e nativismo) no mesmo saco. Isso é obviamente incentivado pelos partidos políticos que têm estado no poder e pelos grupos que gravitam à sua volta à espera de empregos ou negociatas (maçons, "empresários", sociedades de advogados, profissionais da cultura subsidio-dependentes) que, como é óbvio, receiam perder a mama que têm sugado e que, apesar de já minguada, têm esperança que os continue a beneficiar.
Incrivelmente, as políticas que originaram o anafar das despesas do estado, hipotecando as gerações vindouras, determinando a inviabilidade das pensões de reforma futuras, obrigando à emigração em massa de trabalhadores qualificados e criando uma catástrofe demográfica e uma situação de falência anunciada, não são consideradas populistas.
E não há uma discussão séria sobre o que temos que manter (segurança, turismo, uma sistema de educação universal, bons indicadores de saúde) e o que temos que mudar (baixa natalidade, pobreza infantil, direitos sem deveres, reformas milionárias, rendas e PPPs, nepotismo no estado e nas empresas pública, falta de reconhecimento do mérito, excesso de regulamentação inútil e licenciamento lento que promovem a corrupção e a concorrência desleal, funcionamento lento da justiça e falta de competitividade fiscal para as empresas que desfavorecem o investimento produtivo, descapitalização das empresas portuguesas, ausência de incentivos à poupança a longo prazo e falta de garantias de segurança e de moderação e estabilidade fiscais que promovam o repatriamento de capitais, perda de controle nacional sobre grandes empresas com perda de centros de gestão empresarial e de emprego diferenciado, assimetrias no mercado de trabalho e falta de oportunidades para os jovens qualificados que os incentivam a emigrar).
Assim tristemente vamos escorregando a caminho do precipício, sentindo-nos superiores aos americanos que coitadinhos têm que aguentar com o Trump (parece que ninguém o apoia e que todos se manifestam contra ele), esquecendo que, por este caminho, o que nos espera é uma sociedade portuguesa ainda mais pobre, mais envelhecida, com, então sim, imensa degradação dos múltiplos serviços estatais e sociais, com problemas de segurança interna e externa e, mais cedo do que se imagina, também liderada por um Trump português. E, nesse futuro que pode estar próximo, teremos pena de quem? E quereremos que tipo de regime político?