A tensão China-EUA: Do telemóvel-tijolo à guerra no marPublicado Domingo, 26 de Maio de 2019, às 10:27 | Fonte ExpressoBoicote à Huawei surge na altura em que Washington reforçou presença militar no Mar do Sul da ChinaA Google obedeceu ao Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e anunciou que deixará de fornecer software e componentes cruciais à multinacional de telecomunicações chinesa Huawei. É mais um capítulo de uma guerra comercial que preocupa a elite militar americana. A decisão entra em vigor a 19 de agosto.
Em declarações ao Expresso, o tenente General Ben Hodges, líder das forças americanas na Europa até final de 2017, alerta para o risco de que a tensão entre as duas superpotências se torne um “condimento importante” para transformar o atual conflito numa “guerra total”, até porque “não há qualquer recuo chinês”.
Não é a primeira vez que este veterano do Pentágono insiste no aviso. “O constante roubo de propriedade intelectual, as infrações comerciais permanentes e o comportamento de Pequim no Mar do Sul da China (construção de ilhas artificiais em águas internacionais, reclamando direitos que colidem com países como o Vietname ou as Filipinas) criam condições para um conflito armado num prazo de 15 anos”, disse-nos no passado mês de novembro.
Note-se que, há cerca de uma semana, o contratorpedeiro “USS Preble” reforçou o contingente dos EUA no Mar do Sul da China, navegando junto a ilhéus que Pequim reclama serem seus, uma exigência contrariada várias vezes pelo Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, o principal órgão judicial das Nações Unidas.
ANDROID INDISPONÍVEL
No curto prazo, contudo, as consequências do caso Huawei centram-se no dia-a-dia do consumidor, visto que os telemóveis da marca deixarão de poder atualizar o sistema operativo Android e de aceder às aplicações Google.
“É uma morte anunciada. Os aparelhos Huawei serão irrelevantes fora da China, uma espécie de tijolos”, diz ao Expresso Tim Seymour, CEO da Seymour Asset Management, uma das maiores empresas de consultadoria financeira na cidade de Nova Iorque. “Mais de 80% dos telemóveis dependem do sistema operativo Android. Qualquer produtor que entre no mercado, com exceção da Apple [dona do seu sistema operativo], depende da Google, cujas aplicações são ignoradas pelos chineses, mas não pelo resto do mundo”. O professor Michael Schrage, do Institute Instituto de Tecnologia Massachusetts (MIT) e perito em cibersegurança, concorda com Seymour e confessa que “se fosse um consumidor europeu, estaria muito nervoso”.
EFEITO-RICOCHETE
Comunicada a decisão da Google no domingo, os efeitos supor-se-iam imediatos, mas um dia depois Washington suspendeu as sanções até 19 de agosto, justificando que o mercado precisa de tempo para se reorganizar. À cautela, Pequim aconselhou os utilizadores a obterem uma versão Android personalizada pela Huawei. Esta, no entanto, não garantirá acesso a todo o tipo de software (Google Maps, Gmail, etc.).
Roger Entner, fundador da Recon Analytics, esclarece-nos que a Google não sofrerá com a decisão, visto que “os utilizadores acabarão por migrar para outras marcas que usem Android”. Quanto à Huawei, as circunstâncias mudam de figura. “Qual é o atrativo de uma marca de telemóveis que não dá acesso às aplicações mais populares?”.
Presente em mais de 170 países, o gigante tecnológico chinês gasta por ano 11 mil milhões de dólares (9800 milhões de euros) em componentes e software “made in USA”. Antevê-se, por isso, um impacto na saúde financeira dos fornecedores. Um deles, o fabricante californiano de microchips Xilinx, desvalorizou 5% em bolsa esta semana.
TARIFAS ASSUSTAM EMPRESAS
O impacto da guerra comercial na economia dos EUA não fica por aqui. Quarta-feira, perto de 200 fabricantes de calçado, incluindo a Nike e a Adidas, alertaram a Casa Branca para os “efeitos catastróficos” das futuras tarifas de 25% sobre as importações chinesas.
Pior ainda: Pequim poderá cancelar as exportações de minérios raros, vitais para a indústria americana. “Seria um desastre. Afetaria a produção automóvel, renováveis, Defesa…”, explica Ryan Castilloux, diretor da Adamas Intelligence, consultora para a área dos metais estratégicos, caso do lítio e do nióbio, usados no fabrico de baterias e armamento, respetivamente.
A Casa Branca insiste que pôs a Huawei numa lista negra de firmas suspeitas, por uma questão de segurança nacional. “É um braço do Governo de Pequim para espiar empresas e cidadãos americanos”, lê-se num comunicado enviado às redações na semana passada.
A acusação carece de provas, “o que não quer dizer que seja infundada”, refere Schrage. “Há muito material secreto que o Pentágono recusa partilhar por agora”. Washington tenta convencer os parceiros europeus a excluírem equipamento da Huawei da quinta geração de rede sem fios, conhecida como 5G, que revolucionará as telecomunicações globais.
“A rede 5G oferecerá uma internet 20 vezes mais rápida, melhorias na tecnologia médica e, acima de tudo, avanços incríveis na Defesa”, prevê Schrage. “Do ponto de vista militar, todos os sistemas ofensivos e defensivos responderão à velocidade da luz quando comparados com os atuais.”
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