Noticiou o económico em 22-8-2014: «Apollo paga 220 milhões de euros pela Tranquilidade». O título e a notícia induzem em erro, ainda que, para lá da interpretação defeituosa, esta acabe por revelar os factos:
«A Apollo Global Management irá pagar pelo controlo da Tranquilidade cerca de 215 milhões de euros. O valor está inscrito no concurso que foi entretanto ganho pela ‘private equity', apurou o Diário Económico. Esta verba inclui o pagamento de 48 milhões de euros ao Novo Banco e a injecção de 150 milhões na Tranquilidade. O pagamento do restante valor está ainda a ser negociado entre a Apollo e o Novo Banco, apurou o Diário Económico.»
O Apollo Global Management é um dos principais fundos-abutre (vulture fund) norte-americano. O que faz um fundo-abutre? É um grupo de private equity (capital privado, não cotado em bolsa), de composição tendencialmente secreta do capital) especializado na compra de ativos de alto risco e na sua revenda rápida com lucro. Portanto, é de esperar que neste caso da Tranquilidade (e depois eventualmente o BES), o Apollo compra a empresa a pataco, com baixo envolvimento do seu capital próprio e com recurso maioritário ao crédito barato - Caixa Geral de Depósitos? - para financiar o cumprimento dos rácios de capital, saque os maiores lucros possíveis para pagar a dívida especialmente contraída, e venda com ganho assinalável logo que possa. Usa e deita fora numa receita dura de corte de despesas: rescisões com o pessoal, reduções salariais, subcontratação. Até que vende o resto por uma batelada final.
Seis questões adicionais sobre a notícia do Económico, de 22-8-2014 (ou a do i, de 23-8-2014) que parecem, aliás basear-se na mesma fonte (trabalho de uma agência de comunicação?:
1. Afinal, a segunda seguradora não-vida do País e que tem 8,3% de quota de mercado, nem 50 milhões de euros vale, mas 48 milhões e «sem dívida»?...
2. Há um pagamento adicional de 150 milhões pelos abutres do Apollo Global Management como?!... Se o banco (Estado...) não recebe esse dinheiro!...
3. Um valor de 48 milhões (em venda privada em vez de OPV) por uma seguradora, a Tranquilidade, que, há cinco meses, o Banco de Portugal tinha aceite como penhor de provisões no valor de 700 milhões de euros? Provisões essas que afinal não servem, porque não permitiam sequer reembolsar todas as obrigações das holdings dos layers mais elevados do grupo Espírito Santo vendidas aos balcões do BES, muito menos usar os 700 milhões de uma provisão que afinal valeria 50 milhões?...
4. E, das duas, uma: ou a Tranquilidade - com a sua faturação anual, a sua carteira de clientes, a organização, a expertise dos seus funcionários, o custo da formação que tiveram, o sistema informático, o imobilizado - e apesar do seu passivo, vale mais do que os 48 milhões de euros que o Apollo deu por ela agora; ou a Tranquilidade não valia os 700 milhões de euros que o Banco de Portugal aceitou como penhor das holdings do grupo ao BES para eventual reembolso do papel comercial!...
5. Em qualquer caso, não parece ser verdadeira a notícia filtrada, em 25-3-2014, para o Expresso e outros jornais:
«Banco de Portugal "obriga" o Espírito Santo Financial Grupo ( ESFG) a fazer uma provisão de 700 milhões de euros para garantir pagamento de papel comercial vendido aos balcões do BES».
Pois, o Banco de Portugal aceitou um ativo como penhor que valeria, afinal cinco meses depois, apenas 14,9% (48 milhões / 700 milhões) do que pretendia provisionar. E que nem era fácil transformar em liquidez para reembolsar clientes se as holdings do grupo Espírito Santo não conseguissem remunerar as obrigações como não conseguiram.
6. O BES bom (o Novo Banco) também vai ser vendido a pataco (e expurgado de dívidas e de responsabilidades financeiras), rapidamente, por negociação particular (e não em OPV) ao fundo-abutre Apollo, como experimenta o boato-balão do i, em 23-8-2014?
A responsabilidadedo Banco de Portugal é iniludível, neste caso, com destaque para o governador Carlos Costa e os demais administradores, bem como para a CMVM, com realce para o seu Conselho Diretivo. Depois, a hesitação do Governo, do Banco de Portugal, da CMVM, e da própria administração do novo BES (do banco mau nada se sabe). O paga-não-paga as obrigações subordinadas, a transferência de ativos entre banco bom e banco mau e volta, é mau demais para ser mentira. E agora as revelações do CM, em 23-8-2014, de que, alegadamente, administradores do Banco de Portugal têm investimentos no BES em obrigações (Silveira Godinho, com meio milhão de euros) e depósitos (Duarte Neves, com o pelouro da supervisão, com 132 mil euros em depósitos) - o que, por si só, não significa nada
Mas não há assunção de responsabilidade pela administração do Banco de Portugal, pelo Conselho Diretivo da CMVM, pela ministra das Finanças, pelo primeiro-ministro? Dá até a impressão que os administradores e os funcionários do Banco de Portugal e da CMVM, são muito bem pagos e com amplos benefícios marginais, e mesmo assim poupados aos cortes salariais que atingiram os demais portugueses - como censurou em 21-5-2014, na Sic-Notícias, Pedro Ferraz da Costa -, pelo poder bancocrático para que sejam mais lenientes na supervisão dos bancos privados...
É difícil crer que funcionários recrutados com tão excelentes qualificações e experientes, e administradores veteranos, não vejam, não oiçam, não saibam, e depois da indignação do País inteiro pelo seu falhanço no caso BPN (e BPP), voltem, mais de cinco anos depois, a não ver, não ouvir, não saber, das manigâncias e do iminente colapso de outro banco, neste caso dez vezes maior a nível nacional, fora a sua expressão internacional. Porque se os funcionários viram, ouviram e sabiam, e reportaram por escrito o que apuraram aos dirigentes e esses factos, se de relevo penal, não foram imediatamente comunicados ao Ministério Público e tomadas as providências eficazes para evitar o desastre, devem difundir essa informação para que seja sancionado quem negligenciou ou abafou o caso.
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